quinta-feira, 28 de junho de 2012

"BOLÃO DA QUINA DE SÃO JOÃO FAZ FUNCIONÁRIOS SORTUDOS SE DEMITIREM DO TRABALHO POR MEDO"



Medo de sequestro faz todos os vencedores de bolão do Cervantes pedirem demissão.













Lúcio Flávio Osório, copeiro do bar, não quis apostar desta vez e ficou sem o prêmio
Foto: Felipe Hanower / Agência O Globo
Lúcio Flávio Osório, copeiro do bar, não quis apostar desta vez e ficou sem o prêmioFELIPE HANOWER / AGÊNCIA O GLOBO

RIO — Esta quarta-feiras no Cervantes da Barra da Tijuca foi de muito movimento — e não era de clientes. Quem pediu a conta desta vez foram os 20 funcionários que ganharam, cada um, R$ 635 mil num bolão da Quina de São João, como adiantou Ancelmo Gois, em sua coluna no GLOBO. O grupo foi um dos sete bilhetes sorteados do prêmio de R$ 88.989.841,64, o maior já distribuído pela Quina, cabendo mais de R$ 12 milhões a cada um. Mas todo esse dinheiro e a fama conquistada pela repercussão da imprensa parecem ter assustado os sortudos: todos pediram demissão nesta quarta-feira mesmo, por medo de sequestro.
— A maioria mora em local humilde e ficou assustada. Acho que não tinha caído a ficha ainda. Quando todo mundo veio aqui, eles se assustaram — contou Juan Antonio Blanco, um dos sócios da rede.
Sem dez garçons, seis copeiros, dois caixas e um gerente, o funcionamento da casa será prejudicado. Com apenas 27 funcionários restantes, o Cervantes da Barra não vai conseguir abrir em horário integral. A filial vai fechar mais cedo, às 23h, de quinta-feira até domingo.
Blanco contou que, na tarde de domingo, já havia uma movimentação sobre o resultado do bolão e, à noite, ficou comprovado que o grupo era vencedor. Com isso, uma reunião foi marcada para a terça-feira — o restaurante fecha às segundas — e ficou combinado que seis funcionários permaneceriam nos cargos e que os 14 restantes ficariam somente até domingo.
— Fiquei apreensivo com a possibilidade de perder todos eles do dia para a noite. Como arrumaria tanta gente para trabalhar? Mas eu entendo o medo deles. Hoje em e dia se rouba e assalta por qualquer R$ 100. Eles ficaram assustados e não vão mais ficar nem até domingo, como tínhamos combinado — lamentou Blanco.
Mas arrumar quem quisesse preencher as 20 vagas não foi um problema. Na segunda-feira, o empresário começou a receber a visita de pessoas interessadas nas vagas. Além disso, os próprios ex-funcionários apresentaram parentes e amigos para ocupar seus cargos. Agora Blanco precisa correr contra o tempo para treinar todos os novos funcionários e voltar a abrir a casa em horário integral, do meio-dia às 4h da madrugada.
Essa é a primeira vez que o bolão — promovido desde que o bar foi inaugurado, há sete anos — é premiado. Todos os que trabalham no bar receberam a notícia com surpresa e alegria, mas um deles tem motivo para se arrepender e ficar triste. O copeiro Lúcio Flávio Osório, que era um entusiasta da brincadeira e há anos apostava com os colegas do Cervantes, desta vez ficou de fora e não botou a mão no prêmio. Solidários, os sortudos prometeram deixar uma boa gorjeta para os companheiros que não foram contemplados.
Apesar de ter perdido essa oportunidade de mudar de vida, Lúcio Flávio não lamenta a boa sorte dos companheiros e deseja tudo de bom para eles. Mas, como ninguém é de ferro, admite que chorou ao receber a notícia:
— Fiquei muito emocionado. Quando contei para a minha filha, a primeira reação dela foi perguntar: “Poxa, papai, e a minha festa de 9 anos?”. Ela queria uma festa grande, para convidar os amigos do colégio, mas não sei se vou conseguir dar — disse Lúcio Flávio, pai de Eyshila, de 8 anos, e de João Vitor, de 12.
O copeiro, assim como muitos dos felizardos do bolão, mora em Curicica, em Jacarepaguá. Ele vive com os dois filhos e os pais, que não pouparam críticas ao filho:
— Minha mãe disse que sou burro, perguntou por que não apostei. Por causa de R$ 10? Mas não foi dessa vez, não tinha que ser. Passei o dia escutando piadinhas — conta Lúcio Flávio, que deixa o choro de lado e aceita a brincadeira.
O copeiro era “o cara” que sempre organizava os bolões do grupo. Um colega do restaurante, que estava devendo R$ 10 de uma aposta num jogo de futebol, chegou a se oferecer para dar o dinheiro. Mas o copeiro preferiu ficar com os R$ 10 no bolso.
Se tivesse ganhado os R$ 635 mil, Lúcio Flávio contou que compraria uma casa e voltaria para o Espírito Santo, onde foi criado:
— Um dia vai chegar a minha vez. Nunca mais deixo de apostar em nada.


















***FRANCIS DE MELLO***

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