Meu Jogo Inesquecível: Sérgio Mallandro e a esperteza tricolor.
Humorista relembra polêmica vitória do Flu sobre o Fla em 1968, quando Wilton, impedido, driblou o goleiro com a ajuda da mão e fez o gol.
Nos anos 60, em um terreno baldio na Zona Sul carioca, Sérgio Neiva Cavalcanti era mais um entre a dúzia de crianças que se dividiam em equipes para jogar bola na rua. A meta era o espaço entre dois paralelepípedos, que representavam balizas. O DNA de craque fazia com que o garoto levado se destacasse com dribles e chutes com as duas pernas. Herança do pai, Edgard Cavalcanti, um ex-ponta-direita do Fluminense na adolescência - que ensinou ao filho os primeiros passos no futebol e o carinho pelo Tricolor. A história, que poderia ser a de um craque da bola, na verdade é o retrato da infância de Sérgio Mallandro, o humorista que cativou crianças nos anos 80 e 90 e hoje leva famílias inteiras para suas peças no teatro.
Aos 56 anos (que ele afirma serem 52), Mallandro parece vestir a personagem que o acompanha por toda a carreira 24 horas por dia. O dia de seu nascimento, 12 de outubro, se torna quase uma simbologia, obra do acaso para explicar sua vida de eterna criança. No rosto, um sorriso quase constante ajuda a narrar com graça momentos marcantes de sua história, como quando relembra o inesquecível gol de Wilton no Fla-Flu de 1968, jogo este que marcou a sua vida. "Eu não sei contar piada. Sempre fui um contador de histórias", afirma Mallandro. O apelido, aliás, já foi motivo de choro. Na primeira vez em que o chamaram de "malandro", ao entrar de penetra em uma festa no Clube Piraquê, chorou. Não gostava. Mas pegou. Os dois "L" no nome artístico surgiram em sua primeira aparição na TV, aos 19 anos, e estão longe de qualquer numerologia ou superstição. "Foi para dar um sotaque italiano", brincou.
Meu avô torcia para o Botafogo, e meu pai, para o Fluminense. Quando meu irmão mais velho nasceu, meu avô já puxou logo para ele ser botafoguense. Na minha vez, meu pai não deixou. Antes mesmo de eu nascer, já tinha decidido que eu seria tricolor.A casa confortável em que mora na Zona Sul do Rio de Janeiro junto com um de seus filhos, Serginho Tadeu, e a ex-mulher Mary Leão é fruto do trabalho de seus mais de 30 anos de carreira. A infância conturbada, com expulsões de colégios e travessuras que levavam seus pais, Leila e Edgard, a serem chamados com frequência pelos diretores, não teve regalias. Neto de Luís Cavalcanti, um rico tabelião, Serginho viveu na classe média carioca. Aprendeu e amadureceu cedo, com a perda do pai logo aos 11 anos. Foi dele a influência pelo fanatismo ao Fluminense.
O "gol de basquete"
Se para os jovens tricolores o gol mais marcante foi o de Renato Gaúcho, ao finalizar de barriga no Fla-Flu da final carioca de 1995, para Sérgio Mallandro a lembrança de 1968, quando tinha apenas 12 anos, ainda faz brilhar os olhos como os de uma criança que acabou de ganhar o brinquedo mais desejado. O pequeno Serginho acabava de adentrar o Maracanã correndo, atrasado, para acompanhar o clássico contra o maior rival, na companhia de Estevinho, seu melhor amigo.
Na hora que eu entrei eu vi aquele lance. Foi que nem um lance de basquete. Não foi um golzinho de mão igual ao do Maradona. Foi uma coisa escrachada. O Wiltinho saiu correndo e, quando o goleiro ia apanhar a bola, ele esticou a mão, tirou do goleiro, e depois chutou para o gol. E ainda estava impedido. Eu saí pulando, nem sentei. Não tem como esquecer. Aquilo lá foi um escândalo - relembrou, gesticulando toda a jogada como se estivesse vivenciando um replay próprio
Os tempos eram outros. Mas o gosto pela malandragem sempre foi o mesmo. Como no gol de Wilton, que usou da artimanha para driblar o goleiro Marco Aurélio, Sérgio e seu melhor amigo, Estevinho, juntavam quatro ou cinco amigos e, enquanto uns pagavam, outros pulavam a catraca do ônibus para ir ao Maracanã acompanhar os jogos do Fluminense.A partida em questão foi válida pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1968, o Campeonato Brasileiro da época. Era a sétima rodada da competição, e o Fluminense ia para a partida com uma campanha nada empolgante: uma vitória, um empate e quatro derrotas. No entanto, o único triunfo havia sido exatamente em um clássico no Maracanã, diante do Botafogo comandado pelo técnico Zagallo, que seria campeão da Taça Brasil daquele ano. Dito e feito. A segunda vitória veio exatamente contra o maior rival e encheu os tricolores de esperança, ainda que o gol daquele 1 a 0 tenha sido irregular. Porém, a caminhada do Flu continuou tortuosa e deixou o time das Laranjeiras de fora da fase final do torneio, vencido pelo Santos, de Pelé.
Curta carreira de jogador de futebol
Com seu filho mais velho, Serginho Tadeu, de 26 anos, o humorista não conseguiu exercer influência para que torcesse pelo Fluminense. Na ponte aérea entre Rio e São Paulo devido às gravações na TV, Mallandro assumiu que, fisicamente, esteve muito tempo ausente.
Eu estava sempre lá (em São Paulo) e ele, por influência do irmão mais velho (Netinho, outro filho de Mary Leão), acabou virando Flamengo.
Como um bom pai, já levou o filho para assistir aos jogos do rival, o que lhe rendeu boas histórias.
- Eu já fui a vários jogos do Flamengo com o Serginho (Tadeu). E vou fazer o quê? Uma vez o pessoal começou a cantar “Ié ié, glu glu! O Mallandro é urubu!”. Sempre tem uma piadinha de mim com a Xuxa também - disse, antes de soltar uma gargalhada - O pessoal não esquece isso.
Eu queria muito ser jogador de futebol, seguir carreira. Eu era um craque de bola, chutava com as duas. Joguei muito no Piraquê, no Clube Naval... foi ali que eu comecei a frequentar mais os campos de futebol, porque até então eu só jogava na rua. Depois, passei no teste do Flamengo, mas fui jogar no Fluminense. Eu poderia ter seguido a carreira, mas era uma época em que se tinha muito preconceito sobre o futebol. Era coisa de vagabundo. E minha mãe não deixou eu continuar - lamentou.Com gosto, relembra histórias e mais histórias de uma infância bem aproveitada, sem qualquer tipo de arrependimento. A única ponta de frustração é quando lembra de sua habilidade com a bola nos pés. Um craque no clube e no colégio, Sérgio Mallandro chegou a jogar nas divisões de base do time de coração quando tinha 15 anos e só não foi adiante por proibição de dona Leila.
Encontro com Maradona e amizade com Pelé.
Eu estava curtindo o carnaval com minha mulher em um camarote quando vi o Maradona. Ele já devia ter bebido e estava lá dando em cima de uma mulher. Chamei um amigo e disse "Ih, olha lá o Maradona!". Quando eu percebi, era em minha mulher que ele estava dando em cima. Eu fui tirar satisfação e ele virou para mim e perguntou "Quién es tu?". Eu respondi: "Soy Serginho Mallandro, rei do Glu Glu. Príncipe da Xuxa. Agora, pica a mula" - contou, jurando ser verdade.Ídolo ele afirma só ter um na vida: seu falecido pai, Edgard. Em sua profissão e no esporte, Sérgio Mallandro tem admiração. Ia ao Maracanã com seu irmão botafoguense só para ver Mané Garrincha desfilar sua malandragem pelos campos de futebol. Pelo tricolor das Laranjeiras, viveu muitas alegrias também com Gérson e Rivelino. Sobram elogios até para Maradona: "O cara carregou a Argentina na Copa do Mundo." Com ele, inclusive, já teve um contato mais próximo.
Pelé é outro por quem Serginho tem muita admiração. Afinal, os dois tiveram uma relação de amizade quando mais jovens. Mallandro lembra que, quando ia ao Rio de Janeiro, o Rei do Futebol ficava em sua casa e os dois saíam sempre juntos.
Artes marciais
Pouco depois de ser obrigado a largar o sonho de jogador de futebol, Sérgio Mallandro descobriu a paixão por outro esporte: o jiu-jítsu. Tinha pouco mais que 17 anos quando foi convidado por um amigo para conhecer a escola de lutas recém-inaugurada por Carlson Gracie.
Eu cheguei lá numa segunda-feira, e quem nos recebeu foi o Rolls Gracie. Conversamos com ele e voltamos no dia seguinte, que era quando o Carlson (Gracie) ia dar aulas. Aprendi a me defender. E, como eu não tinha muito dinheiro para pagar as aulas, mostrava para os amigos na praia uns golpes de defesa, e o pessoal ia correndo para conhecer. Eu levava alunos novos e não pagava mensalidade. Fui o sexto aluno na escola dele. Depois veio essa galera: Murilo Bustamante, Vitor Belfort, que eu conheci criança ainda... O Wallid Ismail não sabia nem amarrar a faixa. Quem ensinou fui eu - brincou Serginho.
Para ele, o jiu-jítsu foi um ponto de equilíbrio, onde aprendeu a ser mais tranquilo. Mallandro faz questão de diferenciar lutas de briga. Para ele, o esporte não pode ser confundido com violência. "É uma competição onde se aprende a perder e ganhar e respeitar o próximo." Pegou gosto pela arte marcial e chegou até a faixa marrom. No entanto, a carreira de artista ganhou corpo e sobrepôs a vida esportiva.
Aliás, no meio artístico, Serginho sempre tentou levar um pouco do esporte para seu público. Até hoje, muitos lembram de um de seus quadros mais famosos, o Malandrovski, em que havia uma disputa por pênaltis entre dois times formados por crianças e outras mais completando a torcida e a arbitragem. O goleiro encarregado de defender as cobranças era o próprio Mallandro, que admitiu, aos risos: "Eu deixava todas entrarem. O Fluminense nunca perdeu."
Nenhum comentário:
Postar um comentário