Hollywood faz nova aposta em temas bíblicos.
Russel Crowe Noah |
A enorme arca de madeira, com mais de 40 metros, de "Noah", filme sobre o herói bíblico Noé que está em fase de produção, não vai carregar apenas um monte de animais, mas também uma das maiores apostas de Hollywood dos últimos anos.
Existem razões econômicas persuasivas para Hollywood abraçar o Livro Sagrado. Os estúdios de cinema estão cada vez mais confiantes nesse tipo de material com audiência garantida, algo que a Bíblia — o livro mais vendido da história — certamente tem. E assim como os super-heróis das histórias em quadrinhos nos quais as companhias confiaram na última década, histórias bíblicas são facilmente reconhecidas pela audiência. Além do mais, elas são gratuitas: os estúdios não precisam pagar altas taxas de licenciamento para adaptar histórias e personagens já de domínio público.
Além de "Noah", o estúdio Warner Bros. Pictures, da Time Warner, está preparando um filme sobre Moisés, que está tentando chamar de "Gods and Kings", ou "Deuses e Reis", cuja direção está sendo negociada com Steven Spielberg, de acordo com pessoas próximas do assunto. Recentemente, a Warner Bros. também comprou o roteiro de "Pontius Pilate", ou "Pôncio Pilatos". Outro projeto relativo a Moisés, "Exodus", está sendo desenvolvido pela 20th Century Fox, da News Corp, com produção da Chernin Entertainment e direção esperada de Ridley Scott. (A News Corp. também é proprietária do The Wall Street Journal.)
Só nos anos 50, Hollywood esteve tão apaixonada pelas escrituras como agora. Após a Segunda Guerra Mundial, os estúdios de cinema contavam com os épicos religiosos como veículos para suas maiores estrelas, como Charlton Heston, que estrelou "Os Dez Mandamentos", de 1956, sobre o êxodo de Moisés do Egito, assim como "Ben-Hur", filme de 1959 a respeito do príncipe judeu que se tornou escravo e foi salvo por Jesus apenas para testemunhar sua crucificação. O épico bíblico de Cecil B. DeMille "Sansão e Dalila", lançado em 1949, foi outro sucesso.
Por volta dos anos 60, porém, inúmeros filmes do estilo épico-bíblico fracassaram, incluindo "A Maior História Jamais Contada", de 1965, que custou US$ 20 milhões, soma substancial para a época, e arrecadou apenas US$ 1,2 milhão. Como resultado, os caros musicais e filmes religiosos foram considerados culpados pelos problemas financeiros da indústria do cinema na época, segundo Drew Casper, historiador de cinema e professor da Universidade do Sul da Califórnia. "Esses gêneros passaram a ser evitados desde então", disse.
A secularização da cultura americana no pós-guerra que ganhou impulso nos anos 60 e 70 contribuiu ainda mais para a derrocada dos filmes bíblicos , de acordo com Caspar.
Para os estúdios, os benefícios comerciais de reviver os filmes bíblicos podem ser substanciais. Os heróis das histórias em quadrinhos em que Hollywood apostou nos últimos dez anos exigem que os estúdios paguem taxas de licenças para as editoras, autores e herdeiros que detêm os direitos dos personagens. A Marvel Entertainment, da Walt Disney, por exemplo, licenciou o seu Homem-Aranha para a Sony e o X-Man para a Fox. A Marvel recebe um porcentual da renda dos filmes, estimado por analistas em 5%. O licenciamento também abre portas para problemas como a prolongada batalha de direitos autorais que a Warner Bros. travou com relação à marca do Super-Homem.
A Bíblia também oferece inúmeros enredos e personagens dramáticos. "Se você está fazendo filmes épicos grandiosos, com efeitos especiais, vai acabar esgotando as opções de super-heróis voadores. [Os da Bíblia,] são super-heróis antigos", diz Bob Berney, que supervisionou o marketing de "A Paixão de Cristo" quando era presidente da Newmarket Films.
Ainda assim, o material bíblico apresenta vários desafios. As histórias não apenas têm sido objeto de séculos de interpretação e pesquisa acadêmica, mas individualmente, cada diretor executivo de estúdio e frequentador de cinema aborda o tema de acordo com o seu próprio ponto de vista — e religião é um assunto onde geralmente há pouco consenso.
A desvantagem potencial é significativa, diz Jonathan Bock, presidente da Grace Hill Media, empresa de marketing que ajudou vários estúdios de Hollywood a atingir o público religioso. "Se você fizer errado, não apenas não conquistará o grande público, mas também não atingirá o público alvo", diz.
Vários executivos da indústria dizem que os estúdios hoje podem estar abertos às lições inspiracionais da Bíblia num período quando boa parte do mundo enfrenta problemas econômicos e o Oriente Médio é atormentado por instabilidade política.
O diretor Paul Verhoeven, cujos créditos incluem "Livro Negro," "Showgirls" e "Instinto Selvagem", diz que se sentiu motivado a desenvolver "Jesus de Nazaré", longa-metragem baseado em um livro que ele co-escreveu, porque acredita que a cultura moderna pode se beneficiar da história de Jesus.
"Acredito firmemente que o que chamo de nova ética de Jesus — ame seu inimigo — deve ser aplicada ao pensamento humano e que isso não é feito com muita frequência", diz Verhoeven.
O filme de Verhoeven está sendo financiado pela produtora de Chris Hanley, cujos filmes incluem "Psicopata Americano" e "Virgens Suicidas".
Alguns diretores descobriram recentemente uma outra motivação: contrapor-se à onda de violência que agita o Oriente Médio como resultado de um vídeo anti-islâmico publicado no YouTube, da Google.
"Esse filme provocou tamanha destruição, e quando vejo algo como isso acontecer, espero que talvez eu possa ajudar de alguma forma", diz Mary Aloe, produtora de "Mary, Mother of Christ".
O filme, escrito por Aronofsky (que dirigiu "Cisne Negro"), Ari Handel e John Logan (um dos roteiristas de "Gladiador"), está sendo rodado nos Estados Unidos e na Islândia agora.
Devido ao fato de o livro de Gênesis, que é a base para o filme, fornecer apenas um simples esboço da história de Noé, Aronofsky e sua equipe terão de detalhar a narrativa com suas próprias interpretações. E é aí que as coisas podem se complicar.
"Há uma interpretação criativa que adentra em pontos que não estão diretamente expressos no material, e então você sempre corre o risco de as pessoas se ofenderem com essas histórias", diz Moore.
Uma vez que esse processo for concluído, o desafio passa a ser levar para as salas de cinema tanto o público em geral quanto o público religioso, processo que depende de marketing especializado para os ávidos por filmes baseados na fé, assim como de marketing voltado para os que buscam os filmes comerciais.
A equipe de marketing de "A Paixão de Cristo" enfrentou de forma bem-sucedida essas necessidades. "Nosso trabalho foi torná-lo mais 'Coração Valente' ", disse Berney. "Na verdade torná-lo um filme de ação épico."
Para "Noah", a Paramount planeja empregar uma estratégia de marketing de duas vertentes.
"Para o público que costuma frequentar o cinema, nós vamos vendê-lo como um filme de ação/aventura com efeitos visuais espetaculares e um grande diretor e um elenco fantástico", diz Moore. O estúdio também vai "apelar diretamente para grupos que esperamos que buscarão no filme uma forma de discutir e pensar sobre uma história de fé, seja com a família ou mesmo atingindo grupos de jovens."
***FRANCIS DE MELLO***
Nenhum comentário:
Postar um comentário